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Mostrando postagens de 2014

AOS ROMÂNTICOS QUE AMARAM A MORTE A PONTO DE MORREREM DELA

Morte não mata a vida vivida... mata a que se tem pra viver... arranca da terra sob a estrada o futuro que havia de haver - aborta o feto mal feito do tempo que o tempo nunca vai ter -  Morte é avesso... verso esquecido atrás do esquecimento... numa folha sem papel verso sem som ... resto de um Natal passado peso de papel tombado um corpo gelado na cama um morto ao lado me chama... e agora é tarde demais pra não morrer de novo... pra não morrer de tanta vida... pra não morrer pra sempre.

A Bárbara

Sempre me emociona a mãe  E seu dom de ser mãe A mãe que não cabe em nada mais que se sabe ser Sempre me emociona a mãe que vive Mesmo depois que parte  Na parte sua que ficou  Viva na filha que pariu No parto que a repartiu em duas - Uma mãe nunca mais é só uma - Como nunca mais será uma A filha que, de verdade, teve pra si Uma mãe pra chamar de MÃE...

PRA UMA VIDA DAR A VOLTA EM OUTRA VIDA

Afinal, quanto tempo leva pra uma vida dar a volta em outra vida? O tempo de tatuar uma vida na outra O tempo de uma rosa virar calo De um cabelo branco esbranquiçar De a lua cheia de vazio esvaziar...

DO LADO DE FORA

Sabi mais quem sabi lê o céu,  quem sabi lê o chão,  quem sabi lê a parma d'uma mão... O livro só conta a história que um dia um coração lhe contô Sem o coração co'a história dentro dele o livro é pedra muda é muda de pranta jogada morta no chão é água seca é boca morta é nada... é nada.

PRESTANDO ATENÇÃO EM ESTRELAS

E uma saudade imensa  - Maior que sentir o mar andar por sobre o mar - - Maior que o fundo do mundo por sob o mar - saudade de sentar com você na calçada da vizinha  e passar a vida inteira falando do  tempo e tentar descobrir qual estrela no céu está prestando atenção em nós, enquanto o  mundo inteiro segue ... enquanto o mundo todo gira e se perde  muito longe de tudo o que sou eu e de tudo o que é você  no infinito minúsculo de sermos só você e eu... e eu jamais fui um de novo.

MORMAÇO

Não sinto falta de mim  quando me despedaço e vou Sinto que sobra espaço no que me fica quando me despeço e voo e se a palavra sair calada não espanta, apanha o silêncio e escuta vigia meu sono devagar e não me deixe nunca perder seu rastro perder seu signo no mormaço - saciado cio - do nosso olhar: altar do meu sair  sempre pra fora de mim...

O BRASIL INTEIRO

É de lá que vem nossa melhor poesia, nossa melhor melodia... De lá vem nossa comida mais boa nossa voz mais doce, nossa arte mais pura nossa dança, nossa roupa,  nossa força, nossa luta De lá vem nosso rio mais fundo, vem nosso mar mais lindo É de lá que vem nosso sol mais quente Nosso povo mais quente De lá vem nosso berço primeiro É de lá que vem nosso 'quem somos nós' É de lá que vem nosso amor verdadeiro... É do Nordeste que vem o Brasil inteiro.

RETRATO

Esta imitação em que me transformei  às vezes desconheço... este autorretrato desfocado nada mais diz de mim nem do que pensei ter sido um dia tampouco fala do pouco que ainda sonho ser... Este origami de mim não sou eu - não sou eu - mas finge tão bem, que às vezes  até me vejo no espelho  às vezes me noto no negativo da foto ... e vez ou outra - eu quase me pertenço

O OUTRO

Há algo em mim... que estou conhecendo agora o estranho não é conhecer agora, o estranho é saber que tenho sido um estranho a viver dentro de mim a caminhar meus passos a repetir meus versos há tanto tempo, meu Deus, que agora meus passos, meus versos...  já nem são mais meus

PONTE

Se, às vezes, a dor em mim me dói mais fundo e o mundo me pesa tanto que fechar a porta do quarto e deixar tudo lá fora é a melhor maneira de continuar em mim E se meus olhos abertos só enxergam caminhos fechados se meu peso pesa mais que as lembranças e os passos dados... o que me salva é seu cuidado... é saber que por mais fechada a porta seu amor vai chegar e abrir vai entrar e me tirar do fundo de mim Sem você, meu fundo seria mais fundo... e meu medo o maior do mundo. Agora posso até fingir que não sou triste.

VIDAS

Vá dizer que é tarde pra saudade dizer e que é cedo pra noutra vida viver... Vá dizer que tudo é água que chove na chuva corre no rio, desmaia cachoeira e evapora lago pra de novo chuva ser... Vá dizer que é natural ser natureza e que a beleza do infinito vale toda a dor de uma vida e que uma vida é só uma conta... uma conta num colar de contas cujo início ninguém mais sabe cujo fim no fim não cabe Vá dizer que nesta vida  quero ser por mil e uma dividida quero não caber numa só vida pra quando eu, enfim, dela saltar, noutra vida nova já comece a chorar...

OLHAR

Olha-me o Olho  Que me molha a alma e de Dentro pra fora o Olho molha O luar não contenta quando o Olho Molhado O Olhar não sustenta

PARTIR

A parte de mim que se abre e canta não é a mesma que, em prantos, lamenta... nem é aquela que senta e pondera ou a que espera a pedra do tempo  passar A parte de mim que se cobre à toa não é a mesma que, aos saltos, entoa uma canção doida de desninar nem é a que desespera e levanta ou a que aguenta o vento a chuva levar A parte de mim que avoa é a parte melhor de mim é a que me faz maior que eu que me isca e me anzol que me calça e me descansa Esta parte que - vez ou outra -  me mora é o que o meu nome chama quando me chama paixão quando me espia  me arrepia quando me tira o chão...

VIDA

SOLIDÃO

late no ser nítido e meia-noite um espanto novo (um eco no entanto) ladra no seu passo à meia-noite um absurdo porto um cais avesso um altar um antro um  abismadamente

INTENSIDADE

Queima em mim o eclipse de dois sóis arde-me a alma como ebulição inquieta-me o ar que  ainda há de  me  respirar Sou a soma de sobressaltos e o espaço sobressaltado sou o assalto passado a limpo antes do assaltado cair em si Soma-me a soma do que  em mim me subtrai Trai-me a palavra que me sai sem pausa, na pressa,  que me ensaia na estreia que me anseia e me seca... Queima-me um eclipse de dois sóis...

VAMPIROS II

esmagam-se entre um e outro eu corredores com carpetes sem rastros só o oco ecoa no oco só o opaco me ocupa o corpo e entre a antessala e o nunca mais só o portão do esquecimento espera áspero o último acorde o último acorde que acorde os vampiros que me moram que me muram os vampiros que me morrem...

MAIS

Sabe mais quem sabe nada sabe bem quem sabe e cala sabe sim quem descasca a bala e dá o primeiro tiro na cara do cara com cara de tio que, enquanto anda, tira a cara e bota outra no lugar... Sabe mais quem mata o tempo antes que a bala do tempo lhe fure o peito... sabe mais sabe mais quem nada sabe...

NUMA NOITE DE ABRIL

Há anos vivo assim de sobreviver e da esperança nunca vã de novamente te rever Em mim, tudo mudou e às vezes, confesso mal sei quem sou Quando partiste era noite e, desde então, uma longa noite veio morar dentro de mim Só agora posso de novo enxergar que há, na noite dos meus dias, uma estrela por mim a brilhar E no escuro do céu da minha noite brilhas para me guiar na vida como fazias quando ainda era tão pouca a minha pequena grande vida... Não choro mais a tua falta agora espero lento o dia alegre da minha volta pra dentro do teu ninho - onde eu nunca, de verdade,  deixei de estar - agora eu sei.

TUA SAUDADE

Tua saudade em mim mal te espera partir para me avisar ardida que estou já sem ti Meu corpo reclama a ausência do teu e meu coração tão fiel torna-se ateu O tempo que te ausentas me é tanto que em mim tudo é dor e desencanto mal suporto da noite a chegada e ansiosa te espero na rua, na estrada Sei que me beijas ao sair em meu sono Sei que me cortejas até os sonhos Sei que é longo o dia sem tua presença Hoje não te vás, não me dá tua ausência Hoje fica mais e me cura de qualquer doença Hoje casa comigo de novo - eu te proponho.

MINHA FÊMEA

E agora você me vem falar de abismos como se eu não os carregasse comigo... E agora você me mostra jornais, me interroga falácias e me carrega no bolso por onde foge Não.  Não quero seu semblante  ferro de passar mentiras nem quero a sua pausa bala sem nenhum gatilho Valha-me deus - de pernas cruzadas  no fim do corredor - com selo e carimbo nas mãos Valha-me a pele da lontra que a mulher feia exibe no ombro pra menos feia parecer... E nas vitrines tantas vozes sem cara corpos nus embaixo de vestes cruas e tudo isso e nada  e cada coisa é um mundo inteiro Não.  Não me venha falar de lìnguas à míngua de beijos, sem verso sem calo... de nada valem as pernas cruzadas a pele da lontra e a ponte no abismo se o que fica depois do gozo é seu gosto na minha carne - convulsa carne dos meus seios tão nus - feito a fome dos canibais feito o medo do estuprador meu sexo inteiro te quer engolir agora: linha tênu

NUMA MESA ENFEITADA COM FLORES

Sim... eu não sou diferente eu sou exatamente  o eu que eu mesmo fiz pra mim... Pra tornar-me eu enfrentei e matei o outro eu: o  que você criou pra mim Sei que me sonhou de branco num altar dizendo sim a uma noiva qualquer  também de branco desde que fosse uma noiva pra mim Mas seu sonho  não cabe no meu Seu sonho é só seu No meu não existe noiva No meu há outro noivo me dizendo sim... No meu sonho  não tenho nada a dizer: chego em casa numa tarde qualquer te vejo linda, entre os ingredientes do seu bolo mais gostoso, te beijo,  brinco com seu cabelo e te apresento meu namorado... Tímido, ele te diz olá e você, sorrindo, estende a mão e diz muito prazer... Meu sonho é só isso - é só não precisar dizer que o amor que eu sinto tem um nome diferente... e que, só por isso,  eu sou também um diferente... Meu sonho é comermos todos do seu bolo com café feito na hora, numa mesa enfeitada co

AUSÊNCIA

PORQUE UMA MÃE PODE, ÀS VEZES, SER ÓRFÃ DE UMA FILHA E agora é escuro o que já foi sonho é oco o que já foi pleno e espaço onde o abraço havia... Agora é abismo o que já foi ponte é pouco o que já foi tanto e pranto onde o encanto havia... Foi um arrancar-me de mim mesma um avesso do teu parto um barco sozinho sem nenhum mar, nenhum cais: teu quarto é só um quarto não é mais o teu ninho teu colo  aqui - quieto - no meu colo ainda te aquece e te guarda o meu carinho Tua partida um desmoronamento Teus passos na estrada te esperando passar não passam não passarão Teus pés já não são pés que pousam qualquer chão E agora ando só cá por dentro de mim imensa como o pó que se foi amontoando na lembrança  que não chegou a ser lembrada: o porta-retratos sem retratos me diz a todo instante que teus vinte e poucos anos nunca me serão suficientes... Estou parada sobre a ponte parada sobre o mar disparado sob mim ondas vão ondas voltam e eu espero em

PRESSAS

Passadas as primeiras pressas escorre lento o que correu ligeiro dorme até quem  foi sempre passageiro É o tempo que se faz de louco, que se finge eterno que se dá tão pouco apaga fotos e cadernos Se há enxurrada não é água que corre nela é a pressa que escorre e ela nem sabe de seu pouco tempo de seu caminho torto de seu vagar sem rumo sem passos não anda sem espaço inunda calçadas e ruas, mas cabe inteira na sarjeta que a acolhe e a condena Se há enxurrada não é água que corre nela é o tempo que escorre e ela nem sabe que  na mágoa da sua carne não há água,  há só lama e carma.

(DES)ENCONTRO

Por que me afrontas como quem me conhece? Por que me enfrentas como quem se desconhece? Agora é tarde demais para o que podia ser E jamais será o que nunca foi Nem haverá tempo para o que não houve Agora te afronta a ti mesmo e te conhece Não me enfrentas mais, eu me conheço.

PESO

Que peso tem a poesia? não pesa mais  nem  pesa menos a poesia pesa o peso do universo que aprisiona e do poeta que liberta

INSTANTE

Às vezes passo dias sem a visita de um poema e me assusto com esta ausência que me vem habitar.  Mas quão êxtase é quando me arrebata o primeiro verso e feito enxurrada me vem o poema inteiro.  E depois que ele a mim se mostra nu, vou aos pou cos vestindo-o de cuidados, revestindo-o de detalhes e, então, ele fica pronto para, enfim, não ser mais meu...

A CAMINHO

E o tempo foi aos poucos me gastando me roubando de mim mesmo e hoje sou menos que meio homem  do homem que fui menos que meio passo no passo que esqueci no ar - solto no ar - distante do chão distante de mim distante do caminho caminhado e do caminho ainda a caminhar Hoje não alcanço os pés com as mãos nem me atrevo a catar canções em sinfonias de noites, ruas, solidões ou cantar sonhos de mil amanhãs... o tempo me cortou ao meio e hoje meio eu, meio nada caminho quieto dentro de mim e espero lento o tempo  de minhas duas metades, enfim, juntas se acalentarem... se acolherem... dormirem.