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Mostrando postagens de junho, 2013

PIRULITO, PING PONG, PEGA-PEGA E PIQUENIQUE

CONVULSÕES

Minhas palavras interrompem pressas interrogam presas salientam dissabores entre si e erguem dissonantes viadutos vestidos de bem-te-vis Valem-me mais semi estancadas - trancadas no sótão que ditas em rompantes de palanques atrasados Minhas palavras têm asas de meia-noite em dia santo cores de Matisse, tons de Frida Kahlo em velhos campanários de antigas catedrais E agora que em silêncio agonizam minhas pausas? E agora que de pausa em pausa faço minha fala? e que de tudo que falo tão pouco me traduz de fato... Oh, palavras que de mim nem o nome têm! nem cheiro nem sabor nem cor nem coveiro têm... e agora que vagam luas de se antepôr! Que de se decompor me vêm! Ah, preferem, talvez, o antissilêncio na antessala a esperar, em vão, a orquestra dos malogrados começar a me dizer que sabores devo sentir que cores apalpar com olhos e mãos e peles e calos que rumores escutar por sob os pelos dos meus poros todos a se arrepiar e que amores, em mim, eu devo, por fim, d

CARTA AO TEMPO

Espasmos roucos Loucos de ouvir as lágrimas do tempo Foi ontem, parece nunca Já faz tempo, eu sei É de manhã, parece noite Cheira-se a madrugada e caminha-se a esmo Foi hoje há anos - E o sonho desabrochou espinho Matou-me hoje e nada mais - Foi ontem, parece nunca Já faz tempo, eu sei Foi hoje, anos atrás.

ATROPelAmente

Eles te interrompem  te interpelam te interpretam interferem no teu  terreno, no teu apelo teu preto teu protesto eles embrutecem emburrecem estouram urram e berram... Mijam pra marcar o território... não são bestas, apenas, são bestas sem penas bestas de colete, bomba e cassetete feras que mijam pra marcar o território

O POETA MUDO, O MAIOR DO MUNDO

Sou o poeta mudo mas de olhos rimados  - com passos pausados, e pena em lugar dos dedos ... poeta em tudo. Falo melhor quando a poesia fala por mim Pois pouco sei das coisas da vida E menos ainda das coisas dos livros Mas de uma coisa eu sei: Sou maior que Barishnikov, Galileu, Platão, Neil Armstrong, Fausto, Romeu Pelé, Frank Sinatra, Mandela,  Elis Regina, Édipo, Evita Pessoa, Clarice, Kafka maior que minha terapeuta e minha mãe Maior... muito maior! Quando ela - a poesia - me sopra na orelha, um simples, singelo e pequenino  versinho de menino... E então eu deixo de ser no mundo um poeta mudo e mudo: sou, então, o maior poeta do mundo! O maior poeta do mundo, pelo pequenino segundo que a poesia me possuindo inteiro deixe-me ser seu dono - inteira! Ainda que seja - assim - só por um segundo. Só por um segundo eu, o poeta mudo, viro, então, dos poetas, o maior do mundo!

A DOCE VINGANÇA DO ANJO CONTRA O TEMPO

(a Gabriel Garcia Marques) Muito tenho me inimizado com o tempo nos últimos tempos Muito tenho lhe lastimado as horas que me rouba Muito lhe amaldiçoo toda noite pela noite que se esvai de mim  Que cai pelo vão dos meus dedos vãos que de nada servem pois não podem segurar as areias do tempo na velha ampulheta do tempo escorada pra sempre na muralha das esperanças idas perdidas na ilha dos anteontens... Mas eis-me aqui, agora, diante de ti que não te lembras nem mesmo de ti teus cem anos de solidão tuas putas tristes teu cólera e todo o amor vivido em seu tempo E agora que tua memória vive em outro tempo? E agora, Gabriel, sem tua memória, em que tu pensas? E agora, como posso ler-te agora? Oh, como te invejo hoje mais que nunca! Como invejo o livre de tuas horas livres o sem-tempo de teu sem tempo teu presente sem nenhum passado teu passado sem nenhum futuro e teu futuro sem nenhuma pressa Ah, o esquecimento! Quão doce

ROBINSON CRUSOÉ

(ao meu amigo Raphael Primus) Preciso aprender a ser criança.  A ler o mundo como criança.  A achar que a rua de trás de casa é o país mais longe, mais distante. E que amanhã é um tempo tão longínquo que serei velho quando chegar. Preciso aprender a rir de mim mesmo como quando me perdi no caminho de volta da escola e preciso aprender a chorar de mim mesmo, também, como quando tive medo do escuro e fiz xixi na cama pra não ir até o banheiro.  Preciso aprender a olhar nos olhos de novo. Preciso aprender a ser criança e a falar as coisas do jeito que as coisas aparecem na minha cabeça, como balões que explodem, como bolhas de sabão que estouram coloridas no ar sem medo algum de estourar.  Preciso olhar bem fundo nos meus olhos quando me olhar no espelho de novo e me encontrar lá dentro de mim e reconhecer a criança que ainda sou.  Preciso ler como criança.  Preciso ler Robinson Crusoé como a primeira vez. Mas a primeira vez que li Robinson Crusoé não fui eu que

ELIS RAINHA

Mas é preciso ter força furacão, fascinação ser pau, ser pedra ser brilhante verdadeiro, brincadeira de roda É preciso ser pimenta,  ser caipira pira pora com casa lá na roça,  ser como nossos pais, nosso país Ser madalena da maloca saudosa no arrastão do neguinho das laranjas É preciso ter na voz a voz de uma raça inteira no corpo toda a graça na alma todo o sonho no nome o nome de rainha e ser estrela pela eternidade Ser Élis, ser Elis simplesmente simplesmente  Elis  unicamente

O OUTRO LADO DA PONTE

UM não POEMA DE AMOR

De tanto não fazer um poema de amor (só porque já existem tantos poemas de amor) fui virando, então, um copiador de poemas de amor de quem vive de fazer poema de amor Mas eu não gosto de poema de amor prefiro fazer poema sobre fazer poema... ora...  acabei de perceber que fazer poema de poema é falar do maior amor que há: o amor do poeta pelo próprio poetar pronto, mesmo assim sem querer acabei fazendo um poema de amor pra você,  meu poema, meu amor!

CATARATA

Houve um tempo em que uma angústia me acompanhava em horas insones... hoje não hoje a despejei de mim em nome de um ser forte ser constante confiante hoje faz-me companhia um lugar vazio ao lado meu no sofá, na cama, na cozinha, aonde quer que eu vá, em todo lugar, no oco do meu paladar, na palavra que eu ia falar e preferi, também, deixar oca e assim foi ficando oca oca oca e, de repente, eu sou um oco carregando um oco comigo E no meu olhar, no canto dele, se você bem olhar, vai ver que existe um canto sem brilho, um vazio... esperando só o tempo passar para como catarata esvaziar o resto todo inteiro do meu olhar.
Passa da meia-noite e eu aqui - acordado - a me perguntar - a me perturbar: estou de fato, acordado?  Alguma vez, na vida, já estive - de verdade - acordado? Espero acordar antes de morrer... ou não talvez seja melhor morrer sem jamais acordar, como fazem, aliás, todos ou quase todos. 

POEMINHA À LUA BAILARINA

Quando, oh lua, tu piscas e escureces a rua escureces também o cais dos olhos de quem a assiste adormecer assim devagar e devagar também adormece em teu olhar dança, lua, dança na tua louca puberdade tão adolesc ente lua dança com meus sentidos enquanto eu te giro qual roleta-russa sem tiro pelas pernas tuas, oh minha lua, eu te seguro! Enquanto danças tua dança enluarada, eu te escuro...  E tu... Todinha inundada de ti mesma de tua própria candura,  tua própria coreografia dança  até amanhecer o dia Depois cansa de tanta dança adormece e eu te flutuo feito pipa feito bolha de sabão, feito criança e te assisto adormecer até de novo te acordar pra de novo, em meus sonhos, linda tu vires dançar.

CAMINHADA

      Carregar uma dor pela vida afora é como ter                       calo  nos pés.                       chegará, cedo ou tarde, o dia em que a                        dor, assim como o calo, vai impedir a                                                  caminhada .                  e vai nos fazer sentar à beira da                                estrada...                   sentados, então, vamos passar a viver de                                                         assistir à vida               passar por nós  simplesmente .

AM N SI

É certo que certas palavras funcionam melhor quando não ditas.  Assim como é certo que no fundo de cada amnésia adormece o conforto de não lembrar o que tanto se quis esquecer um dia. 

A CIGARRA

A cigarra de hoje foi a ninfa de ontem com carapuça e garras E se hoje vive a cantar - não é porque não gosta de trabalhar - como a fábula nos fez pensar. Mas sim porque aprendeu a dar valor a tudo aquilo que conquistou  na dor de rasgar a própria dor pra ser cigarra, cigana e livre. Livre das garras e do peso da casca dura do peso de seu corpo, de sua própria arquitetura Livre de sua história, ela agora canta simplesmente,  Intensamente... Só quem nunca precisou vencer a própria vida pra viver é que pode deixar de cantar a vida pra se preocupar em como a vida viver

RESPOSTA

Estamos todos atravessando desertos e não somos mais que hóspedes  temporários deste(s) nós em que habitamos.  Às vezes a travessia parece maior que a soma dos passos que temos. Então olhamos pra frente, olhamos pra trás e é só deserto o que vemos.  Um imenso deserto a nos atravessar, a nos habitar.  Parar a caminhada não nos salva.  Acelerar a caminhada  não nos salva.  A única salvação do deserto em nós é atravessá-lo caminhando  Com os passos que temos Nos espaços que escolhemos. Dentre as poucas escolhas que temos. Pois a vida, enfim, é essa solitária travessia no deserto que  existe entre os dois lados da ponte do adeus.