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Mostrando postagens de junho, 2010

SEM VELAS

Enquanto durou a ilusão havia velas acesas. Agora, que o vento apagou as velas, um veleiro cego veleja a esmo - em vão. Vai solidão velando por sobre o mar, sem saber que é ele o morto velado. Piratas sem mares - sem marés - são curvas sem estrada - vulcões sem fahrenheit. Depois que descobri a noite - morreu de frio o sol - assim sem celsius - sem céu. Descoberta a geleira o que lhe resta fazer - senão derreter? Pois bem - se é assim que há de ser - queimem as velas e afundem o veleiro, nada mais me espanta - nem  mesmo o caixão no centro de mim - assim - eternamene vazio a me esperar - assim - como quem convida a um velório sem velas.

OVOS MEXIDOS

Se ninguém me contasse os segredos do mundo, talvez o mundo não quisesse tanto inventar segredos. Agora que já não há quem os conte, vivo assim, sem nada do mundo entender. Esse mundo cheio de segredos e senhas. Qual será a senha para dele fugir? Gostava mais quando alguém mexia os ovos para mim. E agora? Segredo.

ESSÊNCIA

Quando me cortaram os pés – eu só queria dançar. E quando quebraram meus braços, precisava tanto abraçar. Sem voz, quando a voz me calaram, ouvi. E de ouvidos tapados, enfim eu me vi. Já sem olhos para ver – respirei. E quando perdi os pulmões – morri. E só então, enfim, consegui: amei.

AGORA QUE FAZ TANTO FRIO

Agora faz frio aqui dentro e todo o tempo que tenho esqueço. Da janela vejo que é verão - é quando sinto mais forte que minha sala vive em outro hemisfério. Apesar do frio, recuso-me a acender a lareira, recuso-me a vestir qualquer roupa, recuso-me a sair de casa. Eu sei que poderia abrir a janela, mas não agora. Agora não chove e só me salvam os pingos úmidos no tapete da sala. Certa vez pensei em me mudar. Arrumei caixas - muitas - aprisionadas no apartamento. Então, olhei a cidade à noite com suas luzes e imaginei serem todas caixas iluminadas com vidas encaixotadas sem luz alguma dentro. Desisti de mudar - as caixas ficaram. Às vezes tropeço nelas. Às vezes jogo pensamentos velhos nelas e as fecho. Anos depois abro as caixas com pensamentos velhos e os escuto sussurrarem histórias de tempos de antes de eu pensar. São pensamentos encaixotados, também, eu sei, mas pelo menos não me pertencem mais. Será que também é frio nas outras caixas da cidade ou é só na minha que tudo anda assim

SÓ QUANDO NAUFRAGO

S e gosto de fazer de conta que estou é só porque ainda não me convenci da ausência. Não estar me é mais natural, confesso, mas sinto que meu não estar estragaria tudo. Então insisto em estar. Nem sempre consigo estar realmente - às vezes todos pensam que estou, mas no fundo sei que finjo, sei que fujo. Não quando naufrago - só quando naufrago. Nesses momentos sempre estou, mesmo querendo não estar. Agora é só fingir. Agora é não estar. Agora é só fugir. De repente nunca estive e tudo nunca esteve e a ausência é a única presença que existe.