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Mostrando postagens de 2015

CONCERTO PARA UM SILÊNCIO

O que dizer... quando as palavras já nada dizem? Que nome dar... à dor inominável? Como continuar... quando o próprio ar... su  fo  ca ?

SENTIDOS

E ando eu cá em mim mesmo a esmo a desmoronar... sem nenhum olfato sem paladar sem peso e sem pesar sem rastro,  sem lastro e sem retratos do que ainda há de se tornar lembrança agora não há mais nada a me-morar

A TRAVESSIA

Percebe que há um pedaço de impasse no teu passo e uma ponta de lapso na outra ponta da ponte... Caminha até o outro lado da ponte e de lá - da outra ponta da ponte -  espia tu a te espiares de cá pra lá de lá pra cá... Não é preciso precisar o momento nem o espaço teu passo e teu presente - tudo preso na imprecisão do agora é tarde pra tomar sorvete é cedo pra tomar vergonha e é nunca pra tomar aspirina com champagne... Mas acorda antes do fim da ponte é importante É mister e salutar que acordes antes de dormir E que vivas, ainda que por instantes antes de morrer Sim, é deveras salutar lutar por estar aqui... deste lado do sempre - onde já se conhecem as dores e as cores - ainda que sejam sempre as mesmas cores e as mesmas dores. Do outro lado da ponte, vai que, por ironia circular... algum vazio pior que este te espera pra brindar... Ah, e finalmente... evita olhar a paisagem toda do lugar -  ela é por demais enganadora. E pode te fazer, de repente,

POR TUDO ISSO

Porque às vezes o passado não vem só nos visitar - ele vem, sim, nos pousar em nós...  E vem com malas, com pedrinhas que apanhou pelo caminho, com girassóis e cataventos. E, então, de hóspede soturno vai aos poucos virando inquilino...  E de repente, um dia, enfim, toma posse de tudo E vira proprietário dos nossos sentidos, dos nossos sentires...  Porque, às vezes, o passado simplesmente não passa...  por isso a poesia: por tudo isso há poesia.

ACÚMULO

CAIS

                                         Há um deus que mora e queima na pele azul do mar Ah, mar quão fundo é teu perdão e tão longe vão meus ais! Amar quanto de teu porão ainda invade o meu cais? 

ESPELHOS

Aprisionado em mim... sou mais que a prisão: Sou mais que as paredes de mim... - maior por dentro que por fora -  E por isso não caibo em mim  - transbordo... sou dois, sou mais que dois: sou aquilo que já fui e o que serei ainda sou Tudo em mim reparte... pedaços faíscas retalhos - Sou cabide de muitos eus... espelhos dentro de espelhos espalhados numa tela nua... uma tela ainda a ser por mim mesmo pintada.

E TERNAMENTE

Olhando assim no seu olhar, você é minha... Como tem sido - minha - há séculos, milênios - quiçá! Como fui seu desde o primeiro choro desde muito antes dele, na verdade... desde antes de todo este tempo começar! Ser seu filho te torna minha mãe Ser seu te torna minha seu e minha E é isso que te torna eternamente viva na vida que você me deu...  na vida que  enquanto em mim viver... te faz - minha... Minha e ternamente viva.

INS-PIRAÇÃO

PARTIDA

De quem será a última mão que terei entre as minhas? Para quem será o meu último olhar? E a última palavra que meus ouvidos ouvirão de mim... quem mais a ouvirá? Carrego bem guardada em mim a sensação da primeira mão que tive entre as minhas... do primeiro olhar que meus olhos viram a me olhar da primeira voz que me disse - 'meu filho'... E agora não sei que voz ouvirei pouco antes do silêncio... me silenciar

OLHOS

Há olhos ocos de qualquer olhar Esvaziados que não nos olham, nos atravessam... que não se olham, não se conhecem. São olhos silenciosos, silenciados... olhos sem passos, sem palavras, sem gestos, sem voz... olhos sem nenhum olhar... Mas há os outros... aqueles que não só nos olham... Há os olhos que se nos molham.

A PELE DA OUTRA

O impossível diante de mim, uma paralisia de morto e esta sede abissal de não ser eu... a temperatura perece, a primavera não dura. Ele pergunta a hora e, de repente o meu relógio se cala - eu miro seu masculino vulto, meu casulo mudo - respondo uma hora qualquer e me mudo pra outro mundo...

PEGADAS

Pés descalços na praia de manhã?  E quem apaga as pegadas? E se o mar resolver me seguir?  E descobrir tudo de mim...  E se alguma onda me soprar seu nome no ouvido?  Como vou continuar a fingir esse fingimento de não lembrar?  Como?

O TEMPO NÃO DEIXOU

Saltei meus próprios passos  e acordei no mundo do amanhãs Lá as manhãs duram o tempo de uma prece E logo são tardes velhas com varizes e saudades Antes de morrerem madrugadas mudas São noites de longos vestidos negros Sobre saltos pontiagudos que espetam De leve o chão do mundo da minha lua... Perto do dia amanhecer quis ver o pôr do sol Mas o tempo não deixou

O MESMO

Envelheci  por fora Por dentro  - o mesmo - O mesmo velho que sempre fui. Nasci velho Velho de mim mesmo Velho do tempo velho de tanto esquecimento cá dentro de mim... Ah, saudade Saudade do tempo em que Nem me lembrava De sentir saudade.

DESMAIOS

Quando ouvi seu adeus Foram dois os meus desmaios Duas mortes em uma cena: Uma de esquecimento e lapso Outra de nascimento e nada... Navegar nem sempre é preciso Viver assim de partidas é mais que morrer. Morrer assim repartido é mais que viver por viver.

FOREVER

De repente é tarde demais... Tarde demais pra dizer eu te amo Pra dizer não te amo mais Ou pra dizer tanto faz De repente não tem mais presente Tudo é passado E tudo é distante Tudo ficou preso no retrato Preso em cima da estante No retrato tudo é pra sempre Mas tudo derrete E tudo desmente Esse pra sempre torto Esse fosco pra sempre Que só existe preso no nunca mais De repente é tarde demais...

AUSÊNCIA

Sou os meninos que me comem pelas ruas os que me pisam por dentro Sou o assombro de me ver entre os meninos que me pesam, que me calam, que me ausento lento entre calos - assim - de tanto mudo de tanto ser muda que não planto pranto que nada muda de tanto outro que não-eu desse meu - por nada - sem razão... desse - disponha-me - sem gratidão De todo esse pântano que me desnu da que me inunda quando me fome...

BROTANDO

Tenho coragem de ser eu mesmo a cada novo eu que nasce em mim Mas é preciso deixar pra trás Os eus que morrem na estrada longa... Pois há este novo eu – agora – brotando dolorosamente – cá dentro de mim - com a urgência aguda dos que nascem assim:  ... prematuros demais.

PARTO

Escrever é, primeiro, tsunami - invade inunda arranha Depois é revirar destroços - vasculha mergulha lamenta Enfim é repintar retratos - retira restaura rebenta

SOBRA

Sempre sobra um sopro no fim do sometimes Sempre sopra a sobra no sim do summertime Afinal no final do amor nem sim sobra, nem mesmo o fim sobra

NADA MAIS

Há pouco passo pra tanto caminhar pouca voz pra tanto desdizer... agora o dito ecoa ouço o azedo do que disse quando tudo que havia para ser dito era silêncio e nada mais... Há pouco espaço pra tanto vasculhar pouca mobília dentro do meu vazio agora o dito escoa e tudo é longe e tudo é nunca e, enfim, existe tempo onde só havia relógio e nada mais...

ENTRO PRA FORA DE MIM

Os caminhos que percorro em mim me levam a labirintos espelhados... perdido entre tantos eus  e sem saber qual deles sou eu,  cerro os olhos e tateio  - entre mãos e calos - o caminho de volta como se fosse possível voltar para fora de mim...