Pular para o conteúdo principal

MINHA FÊMEA







E agora você me vem falar de abismos
como se eu não os carregasse comigo...

E agora você me mostra jornais,
me interroga falácias
e me carrega no bolso por onde foge

Não. 
Não quero seu semblante 
ferro de passar mentiras
nem quero a sua pausa
bala sem nenhum gatilho

Valha-me deus -
de pernas cruzadas 
no fim do corredor -
com selo e carimbo nas mãos
Valha-me a pele da lontra
que a mulher feia
exibe no ombro
pra menos feia parecer...

E nas vitrines tantas vozes sem cara
corpos nus embaixo de vestes cruas
e tudo isso e nada 
e cada coisa é um mundo inteiro

Não. 
Não me venha falar de lìnguas
à míngua de beijos,
sem verso
sem calo...
de nada valem as pernas cruzadas
a pele da lontra
e a ponte no abismo
se o que fica depois do gozo
é seu gosto na minha carne
- convulsa carne
dos meus seios tão nus -
feito a fome dos canibais
feito o medo
do estuprador

meu sexo inteiro te quer engolir agora:
linha tênue do seu ser poente
minha fêmea no seu cio ardente...









Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CASULO

A cara no quadro na parede da sala da casa da rua Antônio Bezerra da cidade de São Paulo no Estado de São Paulo no Brasil na América do Sul no hemisfério sul no planeta terra no sistema solar na via láctea no universo... este mísero, ínfimo, infame, faminto universo fêmea em que a cara está presa pra sempre no quadro preso pra sempre na parede presa pra sempre na casa presa pra sempre na rua que prenderam pra sempre a um nome cujo dono ela nem conheceu - nem ela nem eu. Eu que olho minha cara presa na cara presa no quadro da parede que vai, aos poucos, ficando velha como o resto todo deste universo fêmea, faminto, infame, ínfimo e mísero em que me encontro sem espaço pra sobreviver a mim e a expansão do que há dentro em mim. Em mim, não no quadro nem na parede nem na casa nem na rua, muito menos no Antônio que emprestou o nome à rua que aprisiona a casa que aprisiona a parede que aprisiona o quadro que aprisiona a cara que aprisiona eu.

SER POETA SEM SER

Ah, esta luta esta labuta Cá estou num avesso de digestão a gerir palavras em vão! Ah, a crueldade do poema! A dor de cada verso A dor de saber-se assim Imperfeito assim Assim feio... Por que não calar de vez a voz? Por que insistir assim? Édipo cego sem pai sem mãe sem luz Em busca de ver com mãos e bocas a poesia que me habita e que me falta Está em mim, sombra em mim... Mas não é minha, não de mim Se a toco de leve foge, se a estupro finge-se de morta e eu, enfim Finjo-me assim De poeta sem ser.

SEM DOMINGUINHOS

(ao grande Dominguinhos) E o Brasil, de repente, ficou frio Até neve do céu se jogou, caiu sanfona quieta no canto palco velho - vazio... E os domingos podem, agora, ser só domingos, de novo... um pouco mais tristes menos sanfona menos memória Só domingo... não dominguinho Só domingos... sem Dominguinhos.