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Mostrando postagens de setembro, 2010

DEVOLVA

Devolva já meu primeiro pensamento do dia e o último antes do sono. Devolva agora meus momentos - meus sentidos - minha sede. Devolva já minhas palavras. Todos os versos que te fiz - nos anos que vivi em um mês - são meus. Devolva agora minhas lágrimas - minhas dúvidas - tuas dívidas.  Devolva, acima de tudo, a minha leveza. Devolva o amor que estava nascendo e se afogou no teu veneno.  Devolva o lápis que ia desenhar nossa história e eu devolvo teu rabisco - teu rascunho de vida.  Devolva as noites de amor que te dei. A boca que te alojou. A pele que te sustentou.  Devolva o suor do meu corpo que ficou no teu e devolva o som da minha voz que o teu ouvido comeu. Devolva - enfim - cada beijo - cada vez que fechei os olhos - cada gemido - cada perdão pedido em vão. Devolva meu agosto perdido que eu te devolvo a esse teu encardido desgosto.

FELLICIDADE

Fiquei ali - parado diante do volante - parado diante de mim. A rua era uma rua qualquer e ela seguia sem mim. Havia pessoas e havia barulho - tudo lá fora - bem longe de mim. Fiquei ali - parado diante da vida - parada diante de mim. Perdi a direção. Capotei minha vida em uma curva qualquer e agora estou parado diante da metade de mim que está presa nas ferragens. Cada vez que o telefone tocou em vão sem sua voz para me contar quem sou morri um pouco mais. Agora estou aqui parado diante do volante parado diante de mim. Lá fora anoitece o dia sem tempo para me levar junto, enquanto o telefone me aguarda impaciente no banco onde antes havia você com a mão nas minhas pernas. Se eu não fosse dono de mim por um minuto acelerava o carro e não parava enquanto não ouvisse sua voz ao telefone. Se eu fosse mais dono de ti não te deixava me tratar assim. Se não fossem tantos 'ses' seríamos apenas dois companheiros na simples companhia um do outro - o que ri e o que faz rir, a ovelha e o
Como saber a hora de parar? É melhor desistir ou perder porque se erra? Se eu falar agora o que penso - talvez me falte o ensaio - se eu ensaiar demais, talvez nunca fale. Se ontem fui feliz para sempre e hoje o sempre acabou - o que fazer com o tempo que sobrou no relógio? Não era hora de começar e agora não sei a hora de descomeçar. Existe, afinal, uma hora para se sentir o que se sente?  Se for tudo mentira - para mim não foi. Saber da minha verdade é o que me salva. Depois de me falar tudo isso num olhar - fechou os olhos e saiu como quem nunca esteve. Amanhã - antes de acordar - quero abrir os olhos para mim e me olhar sem as roupas que os outros me dão para vestir - amanhã. Hoje só quero esquecer.

POR UM AMOR INTRANQUILO

Ando cansado de amores racionais - quero - a sorte de um amor intranquilo - um que me arranque do chão os pés - que de pernas para o ar me arrebate - me arrebente um que me seja enchente - me inunde  me alimente Ando cansado de amores racionais - quero - a morte de um amor intranquilo - com sabor de boca mordida - de carne em carne viva - de pele derretida quero um que me seja maremoto - que me naufrague e me afogue quero distorcer a razão - esquecer lembranças -ser condenado ser pagão quero não pensar não pesar - quero um amor de nunca aterrizar um amor que me arranque de mim - que me ampute de mim me devore que me estupre todos os dias e me desmaie de tanto não respirar quero cegar quero secar salivas em línguas que me invadem me irrigam Preciso amar como quem mata e quem confessa - com o alívio do réu e o desespero do réu Preciso amar agora como se nem houvesse o agora e nem o depois e nada senão amar Preciso desmaiar - desabar - desmoronar os museus que me habitam... Arrancar calo

PALAVRAS

Ainda bem que posso escrever. Cada letra que vou parindo no papel é uma vida a mais que me dou... não fossem as palavras seriam muitas mortes morridas na minha solidão. Ainda bem que posso escrever. Cada texto é um perdão que me dou. Condenado à morte desde que nasci - só vivo porque tenho palavras demais em mim - e elas precisam gritar - berrar-se ao mundo nesse antiestupro - esse parto essa amputação. O que me salva há de me matar, eu sei ... quando as palavras tiverem todas sido ditas - escritas - cessará meu tempo de perdão - de parteiro de metáforas - pajé de letras prematuras - cessará meu tempo de doer de doar. Que sejam breves as palavras e poucas as rimas que me faltam!

PRISÃO

Afinal, como alguém poderá me entender se nem eu me entendo?  Primeiro o tempo - sou filho do tempo e filho rebelde que sou não o aceito não o quero não o amo Depois sou preso a mim - escravo de ser eu mesmo a vida toda. De que me vale ser tudo se sou apenas eu eternamente? Infeliz prisão sem paredes sem saída - deve haver uma saída... Há anos planejo a fuga de mim - a fuga perfeita. Enfim sou pai dos medos todos. A cada nova fuga uma nova ruga... e assim vou me conformando... a liberdade virá um dia - espero não ter muitas rugas até lá; Se um dia, porém, tudo pesar demais - como agora pesa - jogo-me para fora de mim num susto, rasgo as rugas todas e corro livre e nu no deserto sem fim de não ser eu.
Anteontem desesperei, ontem estava bem - quase morri - hoje tudo que quero é morrer - amanhã não sei - este não saber é que me mata - é o que há de me matar depois de amanhã.

As pessoas

As pessoas me dizem o que fazer - o tempo todo. Como devo amar - quando devo odiar. Tenho de guardar dinheiro - tenho de comprar casa - escrever isso - estudar aquilo. Não posso esquecer não posso lembrar não posso fingir. Dizem que devo emagrecer, devo engordar - tenho de comer a pessoa certa, ouvir a música da rádio, assistir ao show de pé, sentado, de pé, ajoelhado, de pé, sentado, amém. As pessoas me cansam - ditam-me como ser como não ser como estar como me consumir, em quem votar, que hora rir quando chorar - há quem diga a hora de cagar a hora de dormir de sentir solidão de querer sumir. Dizem como devo dançar, que não sei cantar, que não sei me vestir, que não sei me maquiar. Dizem que não é assim que se vive que não é assim que se ama que não é assim. Chega! Qualquer dia grito um chega e saio da vida de um jeito que ninguém aprovaria!  Dane-se!  É o meu jeito de dizer dane-se! Se eu quiser matar eu mato se eu quiser me matar me mato! Dane-se