(a Gabriel Garcia Marques)
Muito tenho me inimizado com o tempo nos últimos tempos
Muito tenho lhe lastimado as horas que me rouba
Muito lhe amaldiçoo toda noite pela noite que se esvai de mim
Que cai pelo vão dos meus dedos vãos que de nada servem
pois não podem segurar as areias do tempo
na velha ampulheta do tempo
escorada pra sempre na muralha das esperanças idas
perdidas na ilha dos anteontens...
Mas eis-me aqui, agora, diante
de ti que não te lembras nem mesmo de ti
teus cem anos de solidão
tuas putas tristes
teu cólera e todo o amor vivido em seu tempo
E agora que tua memória vive em outro tempo?
E agora, Gabriel, sem tua memória, em que tu pensas?
E agora, como posso ler-te agora?
Oh, como te invejo hoje mais que nunca!
Como invejo o livre de tuas horas livres
o sem-tempo de teu sem tempo
teu presente sem nenhum passado
teu passado sem nenhum futuro
e teu futuro sem nenhuma pressa
Ah, o esquecimento!
Quão doce é o esquecimento!
Não existe vingança maior contra o tempo
do que o simples esquecer-se do tempo.
Esquecer-se delel ali jogado
no fundo de uma lembrança velha
perdida entre tantas outras lembranças
Embaçada pelo tempo que acabou,
sem perceber, assim, sem querer
desbotando e corroendo a si mesmo.
Tua obra lembra o que te esqueces, Gabriel...
teus cem anos
tuas putas
teu cólera
tua obra há de, eternamente, lembrar de ti.
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