Pular para o conteúdo principal

APRENDIZ DE ILHA







Sei que sou só um aprendiz velho em busca de sensações já quase esquecidas... 

Estou aqui dentro do baú do quarto dos fundos. 

Dele tirei todas as fotos antigas - lamentei pelas muitas que rasguei. Prematuras lembranças mortas nas caras que rasguei. Toco nelas. Esfrego-as contra a minha face. Tento furtar-lhes, talvez, um resquício de odor - só bolor, certamente, desses anos todos - trancadas. 

As fotos se desmoronam quando não as olhamos sempre, são como ilhas que se afundam de tristeza se o mar as abandona na maré baixa. Pensam os tolos que é a maré subindo - qual o quê - é a ilha que se derrete em sua própria solidão.
Sou dessas ilhas agora. Cá estou eu dentro do baú das minhas memórias já sujas, emperradas - com calos no canto dos olhos - e doloridas quando nelas se pisa. 

Estou em busca daquilo que senti  a primeira vez que comi algodão doce com a Aninha da dona Rosa quitandeira. 

Era tão doce. 

Tão doce o algodão doce e a Aninha e a dona Rosa quitandeira e a vida. 

Ah! Era tão doce!






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CASULO

A cara no quadro na parede da sala da casa da rua Antônio Bezerra da cidade de São Paulo no Estado de São Paulo no Brasil na América do Sul no hemisfério sul no planeta terra no sistema solar na via láctea no universo... este mísero, ínfimo, infame, faminto universo fêmea em que a cara está presa pra sempre no quadro preso pra sempre na parede presa pra sempre na casa presa pra sempre na rua que prenderam pra sempre a um nome cujo dono ela nem conheceu - nem ela nem eu. Eu que olho minha cara presa na cara presa no quadro da parede que vai, aos poucos, ficando velha como o resto todo deste universo fêmea, faminto, infame, ínfimo e mísero em que me encontro sem espaço pra sobreviver a mim e a expansão do que há dentro em mim. Em mim, não no quadro nem na parede nem na casa nem na rua, muito menos no Antônio que emprestou o nome à rua que aprisiona a casa que aprisiona a parede que aprisiona o quadro que aprisiona a cara que aprisiona eu.

SER POETA SEM SER

Ah, esta luta esta labuta Cá estou num avesso de digestão a gerir palavras em vão! Ah, a crueldade do poema! A dor de cada verso A dor de saber-se assim Imperfeito assim Assim feio... Por que não calar de vez a voz? Por que insistir assim? Édipo cego sem pai sem mãe sem luz Em busca de ver com mãos e bocas a poesia que me habita e que me falta Está em mim, sombra em mim... Mas não é minha, não de mim Se a toco de leve foge, se a estupro finge-se de morta e eu, enfim Finjo-me assim De poeta sem ser.

SEM DOMINGUINHOS

(ao grande Dominguinhos) E o Brasil, de repente, ficou frio Até neve do céu se jogou, caiu sanfona quieta no canto palco velho - vazio... E os domingos podem, agora, ser só domingos, de novo... um pouco mais tristes menos sanfona menos memória Só domingo... não dominguinho Só domingos... sem Dominguinhos.