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PARCEIRO DAS SOLIDÕES

Por que, de repente,  é tudo tão pesado? Por que a menina que habita os olhos teus deu-me as costas de repente?
Por que o ninho do passarinho não protege o passarinho da chuva nem do sol nem do predador? Tudo agora é presa na boca aberta do predador - sentado na esquina - paciente, resignado, indiferente - esperando que tudo acabe para levantar, vir até mim, sentar ao meu lado e me chamar de parceiro das solidões. Por que, depois de arrancadas as unhas, os dedos ainda pensam que elas lá estão e se sentem no direito de apontar caminhos, de furar histórias, de roer-se, enfim? Saber do que sei de mim não vale mais. Mais me valeria o valor imensurável do silêncio certo, da pausa perfeita. Os acordes não fazem a canção - só o silêncio pode a melodia revelar - sem o silêncio somos todos surdos pendurados em pêndulos eternamente indo e eternamente vindo sem jamais sair do lugar.

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CASULO

A cara no quadro na parede da sala da casa da rua Antônio Bezerra da cidade de São Paulo no Estado de São Paulo no Brasil na América do Sul no hemisfério sul no planeta terra no sistema solar na via láctea no universo... este mísero, ínfimo, infame, faminto universo fêmea em que a cara está presa pra sempre no quadro preso pra sempre na parede presa pra sempre na casa presa pra sempre na rua que prenderam pra sempre a um nome cujo dono ela nem conheceu - nem ela nem eu. Eu que olho minha cara presa na cara presa no quadro da parede que vai, aos poucos, ficando velha como o resto todo deste universo fêmea, faminto, infame, ínfimo e mísero em que me encontro sem espaço pra sobreviver a mim e a expansão do que há dentro em mim. Em mim, não no quadro nem na parede nem na casa nem na rua, muito menos no Antônio que emprestou o nome à rua que aprisiona a casa que aprisiona a parede que aprisiona o quadro que aprisiona a cara que aprisiona eu.

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