Pular para o conteúdo principal

O ASSISTENTE

- Então, o senhor almeja a um cargo de assistente aqui no meu gabinete?
- Sim, senhor. Quero trabaiá com o senhor aqui no Congresso Nacionar.
- Muito bem. Então vamos lá. Para dizer se vou contratá-lo ou não , eu preciso saber das suas qualificações. Conhecer um pouco da sua formação acadêmica, das suas experiências, enfim, saber como o senhor poderá se encaixar no meu quadro de assistentes.
- Pois não. O senhor pode apreguntá que eu arrespondo.
- Então, vamos lá. Diga-me o que o senhor sabe de matemática financeira. De cálculos de juros simples e compostos, por exemplo.
- Eu?
- Sim, o senhor.
- Num sei nada disso não.
- Nada? Tudo bem. E o que o senhor sabe de relações públicas?
- Nada
- Nada? Relações internacionai, talvez?
- Nadinha.
- Bom. Então, quem sabe o senhor então poderá ser útil em relação ao textos, aos documentos oficiais do Governo. O senhor deve saber Língua Portuguesa muito bem, eu quero dizer, gramática, sim. O senhor poderia trabalhar como revisor textual, o que me diz? O senhor é bom em gramática?
- Óia, pra ser honesto, eu nunca ouvi falar disso não. Num sei assim sem exprimentá, né? Num sei se eu sou bão não. Mas achei muito bonita essa palavra: Gra-má-ti-ca. Muito bonita.
- Mas, meu senhor, como assim? Como o senhor quer ser meu assistente no Congresso? Como o senhor quer auxiliar um político como eu se o senhor não sabe nada? O senhor sabe ler?
- Muito pouco.
- E escrever, o senhor sabe escrever?
- Vixi, quasi nada.
- Olha, sinceramente, assim é impossível. Eu não tenho como contratar o senhor.
- Escuta aqui, doutor deputado, o senhor vai me contratá sim senhor, sabe? E sabe por quê? Porque o senhor andou comendo minha muié escondido da sua, e ela embuxou. Minha muié trabaia na casa do senhor, limpando os cocô de sua fia, barrendo o chão, cuzinhanu. Então. Quando eu descubri a senvergonheza d’oceis, eu arrezorvi que ela ia embuxar. Falei – muié, ocê trata de embuxar do homi e é pra logo isso. O bixinho logo vai nascer e nóis vai mandá fazê o DNA, num é? E vai tá escrito lá que o muleque num é meu, é do senhor. Aí é só ir pros jorná, pras revista , pra televisão e botar a boca no trombone. O senhor naum tá querendo ser governador? Então, acho melhor o senhor me contratá aí pra ser seu assistente, mesmo, senão num vai ter governo nenhum pro senhor governá. Escutou? E tem outra coisa, tomém. O senhor fica aí cheio das presepada, me apreguntando um monte de pregunta que eu nem sei o que é, sendo que pra ser assistente de político eu tô é bão demais. Uai, e não? Eu sei arrancá dinheiro e favor dos outro, sei manipulá as pessoa, usá os parente e sei dá gorpe. Óia, um pouco mais e eu compito com o senhor nas urna. E ganho. E ganho, viu? Tô contratado ou num tô?
- Ah, mas é claro que sim. Imediatamente.
- Muito agradecido. Inté.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

MORMAÇO

Não sinto falta de mim  quando me despedaço e vou Sinto que sobra espaço no que me fica quando me despeço e voo e se a palavra sair calada não espanta, apanha o silêncio e escuta vigia meu sono devagar e não me deixe nunca perder seu rastro perder seu signo no mormaço - saciado cio - do nosso olhar: altar do meu sair  sempre pra fora de mim...

JANEIRO

Quero um ano inteiro de janeiros. Quero anos inteiros só de janeiros. Que todo dia seja ano novo. Que, no céu, fogos de reveillon iluminem as noites todas dos meus dias de janeiro. De repente toda canção foi feita para nós, todas elas te cantam nossa história e me contam dos teus dias sem mim. E todo arco-íris que vejo tem uma cor a mais: o moreno da tua pele morena. Quero um ano inteiro de janeiros. Quero as estações todas misturadas no cheiro do teu corpo suado: verão de me queimar os lábios, inverno de gelar meu sangue de prazer, primavera de me trazer flores no almoço e outono de anoitecermos juntos numa estrada a cem por hora. E agora o que fazer comigo quando vais embora de mim? O que dizer aos meus lábios que só querem beijar? E o que dizer ao meu corpo em chamas voando baixo nesta cama imensa em que já não posso dormir? Quero mil anos feitos todos de janeiros e janeiros eternos só para que me conte histórias de tuas idas e vindas pelo mundo sem cor de antes de me conhecer, pa

A DOCE VINGANÇA DO ANJO CONTRA O TEMPO

(a Gabriel Garcia Marques) Muito tenho me inimizado com o tempo nos últimos tempos Muito tenho lhe lastimado as horas que me rouba Muito lhe amaldiçoo toda noite pela noite que se esvai de mim  Que cai pelo vão dos meus dedos vãos que de nada servem pois não podem segurar as areias do tempo na velha ampulheta do tempo escorada pra sempre na muralha das esperanças idas perdidas na ilha dos anteontens... Mas eis-me aqui, agora, diante de ti que não te lembras nem mesmo de ti teus cem anos de solidão tuas putas tristes teu cólera e todo o amor vivido em seu tempo E agora que tua memória vive em outro tempo? E agora, Gabriel, sem tua memória, em que tu pensas? E agora, como posso ler-te agora? Oh, como te invejo hoje mais que nunca! Como invejo o livre de tuas horas livres o sem-tempo de teu sem tempo teu presente sem nenhum passado teu passado sem nenhum futuro e teu futuro sem nenhuma pressa Ah, o esquecimento! Quão doce