Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2010

NO ESPELHO DO TETO

No espelho do teto, um corpo nu sobre o meu - inteiro meu - inteiro nu Era um corpo em convulsões a me convulsionar os sentidos todos. Misturados no espelho - os suores se confundiam - a pele se contundia o som ensurdecia - só o ritmo do corpo nu no espelho com o meu não se perdia Sem pressa de acabar - sem medo de acabar - sem nunca mais acabar. Pelos pelos corpos pelados - no espelho desaparecia inteiro um corpo no outro Fundidos - confundidos - infindos minutos de samba enredo acelerado - Cada vez mais acelerado E as línguas eram milhares - e os dedos cavucavam cavernas em carne viva - e as mãos apertavam carnes e as carnes molhadas mordidas marcadas No espelho do teto, um corpo nu sobre o meu - inteiro meu - inteiro nu com fome com sede com ânsia... Um corpo - no espelho do teto - dois no chão da cama. Milhões no gemido final - no mel dos corpos nus  - úmidos e unidos - nus igualmente nus...

DEVOLVA

Devolva já meu primeiro pensamento do dia e o último antes do sono. Devolva agora meus momentos - meus sentidos - minha sede. Devolva já minhas palavras. Todos os versos que te fiz - nos anos que vivi em um mês - são meus. Devolva agora minhas lágrimas - minhas dúvidas - tuas dívidas.  Devolva, acima de tudo, a minha leveza. Devolva o amor que estava nascendo e se afogou no teu veneno.  Devolva o lápis que ia desenhar nossa história e eu devolvo teu rabisco - teu rascunho de vida.  Devolva as noites de amor que te dei. A boca que te alojou. A pele que te sustentou.  Devolva o suor do meu corpo que ficou no teu e devolva o som da minha voz que o teu ouvido comeu. Devolva - enfim - cada beijo - cada vez que fechei os olhos - cada gemido - cada perdão pedido em vão. Devolva meu agosto perdido que eu te devolvo a esse teu encardido desgosto.

FELLICIDADE

Fiquei ali - parado diante do volante - parado diante de mim. A rua era uma rua qualquer e ela seguia sem mim. Havia pessoas e havia barulho - tudo lá fora - bem longe de mim. Fiquei ali - parado diante da vida - parada diante de mim. Perdi a direção. Capotei minha vida em uma curva qualquer e agora estou parado diante da metade de mim que está presa nas ferragens. Cada vez que o telefone tocou em vão sem sua voz para me contar quem sou morri um pouco mais. Agora estou aqui parado diante do volante parado diante de mim. Lá fora anoitece o dia sem tempo para me levar junto, enquanto o telefone me aguarda impaciente no banco onde antes havia você com a mão nas minhas pernas. Se eu não fosse dono de mim por um minuto acelerava o carro e não parava enquanto não ouvisse sua voz ao telefone. Se eu fosse mais dono de ti não te deixava me tratar assim. Se não fossem tantos 'ses' seríamos apenas dois companheiros na simples companhia um do outro - o que ri e o que faz rir, a ovelha e o
Como saber a hora de parar? É melhor desistir ou perder porque se erra? Se eu falar agora o que penso - talvez me falte o ensaio - se eu ensaiar demais, talvez nunca fale. Se ontem fui feliz para sempre e hoje o sempre acabou - o que fazer com o tempo que sobrou no relógio? Não era hora de começar e agora não sei a hora de descomeçar. Existe, afinal, uma hora para se sentir o que se sente?  Se for tudo mentira - para mim não foi. Saber da minha verdade é o que me salva. Depois de me falar tudo isso num olhar - fechou os olhos e saiu como quem nunca esteve. Amanhã - antes de acordar - quero abrir os olhos para mim e me olhar sem as roupas que os outros me dão para vestir - amanhã. Hoje só quero esquecer.

POR UM AMOR INTRANQUILO

Ando cansado de amores racionais - quero - a sorte de um amor intranquilo - um que me arranque do chão os pés - que de pernas para o ar me arrebate - me arrebente um que me seja enchente - me inunde  me alimente Ando cansado de amores racionais - quero - a morte de um amor intranquilo - com sabor de boca mordida - de carne em carne viva - de pele derretida quero um que me seja maremoto - que me naufrague e me afogue quero distorcer a razão - esquecer lembranças -ser condenado ser pagão quero não pensar não pesar - quero um amor de nunca aterrizar um amor que me arranque de mim - que me ampute de mim me devore que me estupre todos os dias e me desmaie de tanto não respirar quero cegar quero secar salivas em línguas que me invadem me irrigam Preciso amar como quem mata e quem confessa - com o alívio do réu e o desespero do réu Preciso amar agora como se nem houvesse o agora e nem o depois e nada senão amar Preciso desmaiar - desabar - desmoronar os museus que me habitam... Arrancar calo

PALAVRAS

Ainda bem que posso escrever. Cada letra que vou parindo no papel é uma vida a mais que me dou... não fossem as palavras seriam muitas mortes morridas na minha solidão. Ainda bem que posso escrever. Cada texto é um perdão que me dou. Condenado à morte desde que nasci - só vivo porque tenho palavras demais em mim - e elas precisam gritar - berrar-se ao mundo nesse antiestupro - esse parto essa amputação. O que me salva há de me matar, eu sei ... quando as palavras tiverem todas sido ditas - escritas - cessará meu tempo de perdão - de parteiro de metáforas - pajé de letras prematuras - cessará meu tempo de doer de doar. Que sejam breves as palavras e poucas as rimas que me faltam!

PRISÃO

Afinal, como alguém poderá me entender se nem eu me entendo?  Primeiro o tempo - sou filho do tempo e filho rebelde que sou não o aceito não o quero não o amo Depois sou preso a mim - escravo de ser eu mesmo a vida toda. De que me vale ser tudo se sou apenas eu eternamente? Infeliz prisão sem paredes sem saída - deve haver uma saída... Há anos planejo a fuga de mim - a fuga perfeita. Enfim sou pai dos medos todos. A cada nova fuga uma nova ruga... e assim vou me conformando... a liberdade virá um dia - espero não ter muitas rugas até lá; Se um dia, porém, tudo pesar demais - como agora pesa - jogo-me para fora de mim num susto, rasgo as rugas todas e corro livre e nu no deserto sem fim de não ser eu.
Anteontem desesperei, ontem estava bem - quase morri - hoje tudo que quero é morrer - amanhã não sei - este não saber é que me mata - é o que há de me matar depois de amanhã.

As pessoas

As pessoas me dizem o que fazer - o tempo todo. Como devo amar - quando devo odiar. Tenho de guardar dinheiro - tenho de comprar casa - escrever isso - estudar aquilo. Não posso esquecer não posso lembrar não posso fingir. Dizem que devo emagrecer, devo engordar - tenho de comer a pessoa certa, ouvir a música da rádio, assistir ao show de pé, sentado, de pé, ajoelhado, de pé, sentado, amém. As pessoas me cansam - ditam-me como ser como não ser como estar como me consumir, em quem votar, que hora rir quando chorar - há quem diga a hora de cagar a hora de dormir de sentir solidão de querer sumir. Dizem como devo dançar, que não sei cantar, que não sei me vestir, que não sei me maquiar. Dizem que não é assim que se vive que não é assim que se ama que não é assim. Chega! Qualquer dia grito um chega e saio da vida de um jeito que ninguém aprovaria!  Dane-se!  É o meu jeito de dizer dane-se! Se eu quiser matar eu mato se eu quiser me matar me mato! Dane-se

AUSÊNCIA

Se fosse sempre primavera talvez chegasse o dia em que as flores se cansariam de si mesmas; e se houvesse sempre arco-iris as cores um dia desbotariam. E se as ondas só viessem, a maré só subisse, a temperatura nunca mudasse? Se os amores nunca acabassem e se a morte nunca existisse, a verdade é que não exisitiria felicidade jamais. Felicidade é o que se sente quando se percebe algo de muito bom. E só percebemos algo de muito bom quando temos algo de muito ruim. Conhecemos a dor, mas não sua ausência. Gostamos da paz porque sabemos da guerra e só amamos loucamente porque sabemos do fim. Sem o fim, não haveria a felicidade, a insana felicidade de se amar demais. Quero muitos invernos, muitos dias nublados, muitas marés baixas, muito frio e calor. Quero sentir tudo que me entristece para que quando acabar eu reconheça a pura felicidade. Do mesmo modo que quero sua ausência, quero muito sua ausência - para saborear, depois, cada momento da sua presença, quando ela vier me possuir e me arr

COISAS DE NÓS DOIS

Eu só quero conhecer, certo? Só conhecer. Nada mais. Qual o problema - é um restaurante numa lotérica, só isso. Um pato no lago é só um pato no lago. E uma ovelha parada no pasto - esperando que alguém lhe diga o que fazer é só uma ovelha. O Bozo era bem menos engraçado. E havia uma mulher com voz de homem que jogava os cabelos quando olhava para trás. A primeira vez - no parque na cama no mar - a primeira vez como de uma virgem com medo de ser virgem. Afinal, o que é que vocês são? Diz o que você está sentindo por ele? Agora você. Namorando - pronto. Limonada. Menta ou morango? Menta. Morango. Água com gás? É gelada ou natural? É limonada suiça, ué... E a Ana? Como assim? São tantos primos                   -               tenho tão poucos. São tabelas de excel               -               são gastos demais São madrugadas acordando    -               são madrugadas acordado 'Ué' no mercado! Só eu sei - só você sabe que eu sei. Ando apaixonado - sou cria

DECLARAÇÃO

O que te faz meu par em tudo não são seus olhos a me espelhar nem é seu corpo em que me perco - "em que me afogo de paixão". Não é ainda seu beijo no sem peso do pôr-do-sol. Nem é a lua que eu vi e você não - ela preferiu a mim naquela noite. O que te faz meu par em tudo é o jeito como você conta nossa história aos outros. O que te faz meu par é o jeito com que me abraça enquanto me ama, é seu fogo que me queima devagar para não doer. O que te faz meu par não são seus lábios, somente, mas é o que eles fazem dos meus quando me beijam... Não são suas mãos, mas o que elas descobrem em mim quando me invadem. São suas palavras quando me emudecem. O que te faz meu par são os sussurros no ouvido e as gargalhadas na cama. Rir de nós, do nosso desejo, das nossas horas juntos... rir da vida - é assim que quero passar a vida: rindo dela ao seu lado. Isso tudo é o que te faz meu par em tudo.

A OVELHA E O BURRO

Quem diz que o burro é burro é porque não conhece a ovelha. Sozinha no pasto a ovelha olha a grama imóvel (a grama não, a ovelha é que fica imóvel). Sente fome - mas não come. Deixada ali - sozinha - há de morrer de fome. A menos que lhe venha o pastor e lhe diga o que fazer, ela nada fará. O burro, por sua vez - que de burro não tem nada, melhor, que de ovelha não tem nada - em igual situação - não hesita, não duvida... foge. Relinxando de tanta liberdade - só para de correr para comer a grama se tem fome e beber a água se tem sede. O fato é que há muita inteligência em ser burro - e que há muita burrice em ser ovelha. Há um povo ovelha que habita as planícies ao redor do Planalto. Esse povo - meu deus - é ovelha até no controle remoto. É um povo em transe - mergulhado em plasmas ou LCDs - o povo plim plim segue pastando em verdes pastos ou morre de fome em silêncio - se assim lhes ordenam os pastores globais. Depois vão às urnas e elegem uma nova caricatura que lhes vai ditar quando

VIDA DE OVELHA

E no que pensa a ovelha quando está parada? Pensa na vida de ovelha. Essa vida de ovelha é mesmo besta - pensa. E tanto pensa na vida que não vê a vida passar. Se não for alguém cutucá-la fica ali para sempre - parada diante de tudo - parada. Feliz? Talvez - afinal se existe felicidade - ela habita a ovelha - pois só os que não conhecem a vida têm a grande alegria de não precisar viver para ser feliz.

UMA TARDE NO PARQUE

E de que importa se as flores nem se abriram no parque? Quem disse que me incomodo se a placa diz não entre e o lago não é de se nadar - só os patos nadam - por terem a grande sabedoria de não lerem placas. As flores é que perderam o beijo que eu ganhei. O lago é que deixou de banhar nossos corpos tão iguais. A culpa? Do frio, claro. Foi o frio que me fez chegar perto do seu calor e me encolher no seu abraço e me perder no seu beijo. Depois - indo embora - vi uma flor nadando nua no lago. Pensei: tarde demais - já tenho nas mãos as mãos que me hão de aquecer. Nada mais me importa. Até o frio desmaiou.

A TRAVESSIA

Acalantadas a um canto de mim moram minhas lembranças mais minhas. Lembro-me, por exemplo, de quando deitava diante da lua e a esperava viajar pelo espaço devagar. Lembro-me, ainda, do dia em que não virei a esquina de todos os dias - não sei - fui reto. Atravessei a rua, que àquela hora ia deserta como eu. Na outra calçada alguém me vigiava os passos sem que eu soubesse. Caminhava contando passos e criando histórias, por isso me distraía. Tão distraída ia que esbarrei nos olhos de quem me olhava. Eram os olhos que iam me guiar vida a fora - mas eu ainda não sabia. Desculpei-me como se houvesse culpa em sonhar acordada. Ele me olhou por dentro, sorriu e se casou comigo naquele instante. O resto foi a história que inventamos para contar ao mundo.

Pesquisa de pós-doutorado

Motivos para aprender um idioma estrangeiro: 1. (   ) Exigência profissional; 2. (   ) Viagem internacional; 3. (   ) Proficiência para Mestrado e Doutorado; 4. (   ) Vestibular; 5. (   ) Moda; 6. (X) Outras:       Mandar SMS dizendo Ich liebe Dich, je t'aime, te quiero ...       Pedindo besame mucho ...       Gritando I LOVE YOU!

PORQUE HÁ OS QUE AMAM

Hoje ouvi que sou amado. Olho preso no tênue da maré - amanhã não sei. Agora preciso ecoar um eu te amo mil vezes até ensurdecer. O que é o depois? Para que tantos amanhãs? Nem quero pensar se é difícil demais! Afinal, nada é difícil quando se tem quatro pernas, quatro braços, duas cabeças, quatro olhos, dois coraçoes afoitos para amar e - acima de tudo - duas bocas nossas - assim - prontas para beijar. Passa da meia noite e eu ainda acordo vaga-lumes...vou - assim - de ouvido em ouvido - sussurrando seu nome e os lumes dos vaga-lumes brilham mais fortes só para mim... não sei se me invejam, não sei se me festejam... sei somente que me concedem desejos os vaga-lumes: ser seu - ser só seu  é o que desejo. Desde antes de acordar. E daí se o tempo nos separou? Foram apenas flores que murcharam e nuvens que desmaiaram chuvas de verão. Penso que estava mesmo ensaiando um tango. Agora que você chegou - vamos dançar. O bandoneon há de nos acompanhar - senão nós criamos a canção e cantam
E se de repente for verdade tudo o que sonhamos ser? Já pensou (?) ... De repente existe um príncipe encantado - e ele é puro e meu. Não cavalga nenhum cavalo branco nem negro, ele vem andando devagar pela rua, atravessa, pisa a outra calçada, abre e fecha o portão, entra e - entre todos - me beija e me proclama seu. É meu príncipe... E se de repente até houver finais felizes? Por que não? Quem inventou as regras que inventaram que, para ser amor tem que doer? Pode doer - e vai doer, eu sei - mas se a dor vier quando eu estiver no colo do me príncipe não há de doer tanto assim. E se de repente o primeiro beijo for mesmo especial? E se as pessoas até forem boas de verdade? E se até houver compaixão? E se eu até for feliz? E aí, como vai ser? Como vai ser depois do último vendaval? Agora é paz... e tudo ao meu redor cheira a flores de Holambra. Mais vale uma pétala na mão que um bouquet esquecido no chão... E se de repente for verdade tudo o que sonhamos ser?

PONTO FINAL

Se o ponto final fosse fácil não haveria tantas vírgulas. Mas nem as reticências salvam as pontes antes do desmoronamento. Ao rio cabe apenas passar - levar um pouco de cada margem e passar - outro rio virá. Será, na verdade, o mesmo rio, só as águas é que serão outras. Mas o que importa mesmo na vida é quanta água passa debaixo da ponte antes do ponto final.

ANESTESIA

As palavras não se entregam facilmente. Elas resistem, disfarçam, fingem não me querer... Levantam do banco fugindo do toque leve dos meus dedos. As palavras dizem que não sou eu o que querem... Deve ser especial o primeiro beijo - e cada palavra calada na hora do beijo há de me custar o preço do sono não dormido. Depois, enfim, elas se entregam a mim. E com as palavras nos braços, ouço as coisas mais lindas: elas me falam do mar e me contam que já eram minhas desde o primeiro momento. Juntos - as palavras e eu - encontramos a palavra certa - aquela que nos traduz melhor: anestesia. Anestesiados - as palavras e eu. Só espero que não passe essa anestesia que nos emudece. Quero viver assim anestesiado - nessa muda anestesia - e que só os olhos tenham palavras para dizer que se querem.

SEU BEIJO E O MAR

         Creio que entendi, enfim, a metáfora:          Ela explica aquilo que não se explica - como o seu beijo - disse-me o dono do beijo. Antes de dormir, ainda sinto seu beijo me mordendo os lábios - sua língua sussurrando na minha: é como voltar do mar.          Depois de um dia inteiro na praia, antes de dormir, é como se ainda sentisse o mar inteiro a me lamber. Assim é seu beijo: ainda posso senti-lo agora - seu beijo é o mar. Só não entendo o paradoxo: afinal, seu beijo é o mar, mas, mesmo sendo o mar, é doce seu beijo.         Seu beijo é um mar doce que me afoga devagar às cinco horas da manhã e que não sai de mim.

CONTADOR DE ESTRELAS

Quando comecei a contar estrelas? Já nem sei, foi há tanto tempo. Eram tantas que as noites eram poucas. Com o tempo, passei a procurá-las,também, na companhia do sol. Hoje são poucas - algumas desistiram de mim - de algumas, eu desisti. Creio que assim são os amores. O importante é saber que um dia já fui contador de estrelas e que carrego, em algum canto escuro de mim, o restinho do brilho das mais brilhantes.

SEM PESO NEM PAUSA

Como calar meus ouvidos e mergulhar em mim se ao meu redor, o mundo faz barulho como quem geme? Pessoas arrastam pés pesados por ruas de pedras. Ao meu redor, pausas e pesos - tudo é ruído - tudo me rói. Se eu calasse os ouvidos - talvez - esquecesse quem sou. Talvez esquecessem que sou. A liberdade é muda. No vácuo dos corpos na hora do gozo só o paladar fala - vozes já não há - por isso minha sempre ânsia de gozar. Não é o prazer que me geme - é só a dor de saber que depois do gozo meus ouvidos de novo se abrirão e de novo me estuprarão outros ruídos. Quisera viver gozando eternamente- sem peso nem pausa.

OLHOS POR CAMINHOS

Meus olhos andam por caminhos avessos - às vezes - e nem sempre há retorno depois da curva. Se houver, nem por isso devo voltar, afinal, voltar é para quem pensa que o que vale é a chegada - para mim, o melhor é o ir - sempre - por isso este eterno sair de mim - este eterno ir de mim a mim - este ir - assim - sem volta, sem fim.

O TEMPO DAS PERGUNTAS

Ontem por um segundo o tempo passou devagar e deu tempo até de te ver de verdade. Só ontem. Só se sente medo quando se tem muito a viver e eu já vivi demais. Demais para te temer. Não me olhe como se eu tivesse respostas a perguntas mal feitas. Não me olhe como se eu te tivesse em mim de novo. Quando nos perdemos, perdemos o tempo das perguntas. Agora de que servem respostas que esbarram em paredes recem pintadas? No fundo são brancas. Respostas brancas não me servem mais. Quero antes os rabiscos dos primeiros beijos. Lembra? A gente brincava de medir os lábios... de amarrar as línguas...  A gente brincava de ser só a gente mesmo e essa era nossa melhor resposta.
EU: RG + CPF + CNH + PIS + CTPS TÍTULO X PASSAPORTE X RESERVISTA C/C + DÉBITO + CRÉDITO + CHEQUE ESPECIAL - IPTU - IPVA - ICMS - IR ORKUT X MSN X FACEBOOK X E-MAIL GLOBO X SBT X REDETV X BAND - FOLHA - ESTADÃO - VEJA - O+ (UÉ) = ? EU ?

O VERMELHO DA FLOR

Quando o vaso quebrou - o vermelho da flor e o meu sangue vermelho fizeram amor. E a unha que ficou largada na pia me carrega inteiro num DNA. E se a flor engravidar? Nascerá um pé de mim - com espinhos - e crescerá flor de mim. E se depois a flor não quiser ser vermelha? E se for amarela a flor? Então só o DNA vai me salvar de ser pai da flor de outro pai... ou talvez o mundo simplesmente descubra que é normal ser amarelo. Vou embora sem saber se a flor engravidou - sem saber se o pai sou eu - sem saber se será amarela a flor do nosso amor - estranho amor. Só me resta estancar - apanhar os pedaços do vaso e fingir que nunca me entreguei a uma flor - que nunca fui ferido - que nunca amei.

O PÓ DO ASPIRADOR DE PÓ

O pó do aspirador de pó - digerido Num avesso de vento ao redor de mim - pó mastigado - aprisionado pó Tenho dez mil e quinhentos watts de potência aspiro pó... mastigo pó... às vezes engasgo e choro junto                        - Hora de trocar o saco de pó E se pó é só pó por que enche - por que pesa? Diga-me, pó de mim, se somos apenas pó, por que pesamos tanto? Quanto mais pó se suga mais pesado parece ser - o mundo de fora - o mundo de dentro tudo é só pó e tudo pesa O mundo inteiro cabe no pó do aspirador de pó E lá vou eu, também, ser pó no aspirador de pó

DEPOIS DO ABISMO

O olhar do olho que me olha é arrepio E o calor do calo que me cala é sangue frio... Quando Lady Macbeth, no fim do abismo, encontrou Duncan, em seus ouvidos conspirou                                - Também fui morta por ele! Mesmo ouvindo do rei que o rei de tudo sabia...                                       - Enquanto suas mãos lavavam as mãos - Lady Macbeth ousou       ainda        dizer                                                           - entre frio e calafrio                       Eu sei, majestade, eu sei... Mas faça como eu - perdoe-o... Perdoe-o! Desapareceu, então, com as mãos em carne viva - vermelhas de seu próprio sangue. Desaparece eu! Desapareceu
Escrever pra mim é mergulhar no fundo de mim. E ir mais além. Olhar de um ângulo que ninguém vé... Marli Silva

SEM VELAS

Enquanto durou a ilusão havia velas acesas. Agora, que o vento apagou as velas, um veleiro cego veleja a esmo - em vão. Vai solidão velando por sobre o mar, sem saber que é ele o morto velado. Piratas sem mares - sem marés - são curvas sem estrada - vulcões sem fahrenheit. Depois que descobri a noite - morreu de frio o sol - assim sem celsius - sem céu. Descoberta a geleira o que lhe resta fazer - senão derreter? Pois bem - se é assim que há de ser - queimem as velas e afundem o veleiro, nada mais me espanta - nem  mesmo o caixão no centro de mim - assim - eternamene vazio a me esperar - assim - como quem convida a um velório sem velas.

OVOS MEXIDOS

Se ninguém me contasse os segredos do mundo, talvez o mundo não quisesse tanto inventar segredos. Agora que já não há quem os conte, vivo assim, sem nada do mundo entender. Esse mundo cheio de segredos e senhas. Qual será a senha para dele fugir? Gostava mais quando alguém mexia os ovos para mim. E agora? Segredo.

ESSÊNCIA

Quando me cortaram os pés – eu só queria dançar. E quando quebraram meus braços, precisava tanto abraçar. Sem voz, quando a voz me calaram, ouvi. E de ouvidos tapados, enfim eu me vi. Já sem olhos para ver – respirei. E quando perdi os pulmões – morri. E só então, enfim, consegui: amei.

AGORA QUE FAZ TANTO FRIO

Agora faz frio aqui dentro e todo o tempo que tenho esqueço. Da janela vejo que é verão - é quando sinto mais forte que minha sala vive em outro hemisfério. Apesar do frio, recuso-me a acender a lareira, recuso-me a vestir qualquer roupa, recuso-me a sair de casa. Eu sei que poderia abrir a janela, mas não agora. Agora não chove e só me salvam os pingos úmidos no tapete da sala. Certa vez pensei em me mudar. Arrumei caixas - muitas - aprisionadas no apartamento. Então, olhei a cidade à noite com suas luzes e imaginei serem todas caixas iluminadas com vidas encaixotadas sem luz alguma dentro. Desisti de mudar - as caixas ficaram. Às vezes tropeço nelas. Às vezes jogo pensamentos velhos nelas e as fecho. Anos depois abro as caixas com pensamentos velhos e os escuto sussurrarem histórias de tempos de antes de eu pensar. São pensamentos encaixotados, também, eu sei, mas pelo menos não me pertencem mais. Será que também é frio nas outras caixas da cidade ou é só na minha que tudo anda assim

SÓ QUANDO NAUFRAGO

S e gosto de fazer de conta que estou é só porque ainda não me convenci da ausência. Não estar me é mais natural, confesso, mas sinto que meu não estar estragaria tudo. Então insisto em estar. Nem sempre consigo estar realmente - às vezes todos pensam que estou, mas no fundo sei que finjo, sei que fujo. Não quando naufrago - só quando naufrago. Nesses momentos sempre estou, mesmo querendo não estar. Agora é só fingir. Agora é não estar. Agora é só fugir. De repente nunca estive e tudo nunca esteve e a ausência é a única presença que existe.

ALIÁS

Se eu acreditasse na poesia Talvez um rabisco fosse uma estrada sem curvas E talvez até houvesse um jardim sob o asfalto Mas só creio nos aliases... aliás Se eu mordesse a poesia E sentisse dela o sabor dos versos mastigados Se eu cheirasse a poesia E alucinasse e me drogasse e me jogasse Sem asas sem pressa sem aliases Entre um e outro verso Num espaço que nem há – sim – O espaço do aliás Aliás, se há poesia Só há porque nela não creio Esse nunca não crer Esse nunca não querer Se eu me tornasse poesia E virasse de repente um verso Sem reflexo sem avesso sem netos E fosse uma poesia sem sexo Sem nenhum aliás... aliás Só assim a poesia há Só assim há mim. Sem mim sem aliás sem fim

Se vi nem sei. Nem sei se ouvi. Os olhos, parece, olharam sem piscar Como não piscam os girassóis...                                            Se o sol que os faz girar não cessa de solar                                            Como podem girassóis a sós só piscar? Se vi nem sei. Nem sei se ouvi Ontem o tempo me olhou nos olhos Sem piscar, parece, nos olhos sem pousar                                            Como não pousam os planetas                                            Se o sol que os faz girar não cessa de solar                                            Como podem planetas em nós nos pousar? Sim , vi, nem sei. Nem sei. Ouvi.                       Foi só um cisco                                  Um cisco. Foi.                                  Um cisco só.

Saudade em si maior

À Denise O som azedo E cinza dos olhos Teus... olhos teus Longe assim dos Meus... olhos meus É o que me emudece a pele das mãos E me afoga o veneno do olhar Se se olhar assim sem o seu

Será que é um stand up?

Lamento, mas não tenho nenhuma história para contar. Nem piada. Aliás, muito menos piada. Não, eu não sou acrobata, também. E se fosse? Qual o problema com acrobatas? Detesto gente preconceituosa! É só falar que é acrobata e todo mundo já imagina você lá, na esquina, no farol fechado, jogando bolinha para cima. Não sou acrobata, mas se fosse, assumiria, e daí? Ninguém tem nada com isso, as bolinhas são minhas, jogo onde eu quiser. Cantar? Eu? Só se fosse a gostosa ali da primeira fila. E para falar a verdade, acho que nem essa cantada ia dar certo, eu ia acabar desafinando. E sem essa de bossa-nova, nem João Gilberto nem Nara Leão, povo chato, sou muito mais Wilson Simonal e Toni Tornado. Aliás, alguém aí sabe que fim levou o Toni Tornado? Furacão a gente até ouve falar, terremoto, agora, é todo dia, mas tornado, ainda mais negão e com nome de Toni a gente não vê nem ouve falar já faz tempo. O quê? Se sou jogador de futebol? Ah, sim, claro, sou sim, e isso aqui, minha filha, isso aqui

Ela é mudo?

- Amor, é uma mulher, presta atenção no cabelo. É de verdade, não é peruca. - Como se não existisse homem de cabelo comprido! É lógico que ele é homem. - Você está louca! É uma mulher. E uma mulher muito bonita, aliás. - Ah, é!?! É um travesti! Quer dizer que você está gostando de travesti agora, Ronaldinho? - Que isso? - Você não a achou bonita? - Sim, uma mulher bonita. Mu-lher, ouviu? - É homem, seu burro! Olha o pescoço dele. Ele tem aquilo que os homens têm. Como é que chama? - Gogó? - Ai, acho horrível esse nome! Gogó. Parece coisa de galo! Mas é isso mesmo, olha lá! Mulher não tem aquilo! - Eu não estou vendo nada. Ela é toda delicada, é uma mulher. - Delicada ou exagerada, hein? Mulher é mais natural, não mexe tanto no cabelo, não gesticula tanto. - Ah, não? Então sua mãe é um travesti também? - Olha o respeito com a minha mãe, seu... seu... seu catador de travesti! - Fala baixo, mulher! O que é isso? As pessoas ouvem e até acreditam. - Vamos ver. Vamos lá, vamos

KEH TC?

- oi, keh tc cmg - oi, o que você disse? Não entendi. - heiiiiiinnnnn? - Que língua é essa? - Ki lg eh esa? - Do you speak English? - : ( - Habla Español? - heiiiiiiinnnnnn? - (...) - keh tc cmg? - (...) - kd vc? tc cmg : ( - Desculpe, eu não entendo essa língua. No understands! No hablo - ???? - ???? - naum vai tc? - Naum é seu nome? - hah???????? Vai si fd!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! - ok, Vai si fd para você também, Naum, beijo. Fui!

Coitado do coelho

Quando a raposa olhou o rabo tinha um rabo de coelho E o coelho quando olhou tinha um rabo de galinha E o coelho, inconformado, disse, então, desesperado... Mas galinha nem tem rabo! Mas galinha nem tem rabo! E a galinha desrabada, feliz, batendo asa, Disse rindo em gargalhada Rabo tenho, sim, senhor, Espere só até sentir O que é que dele vai sair                                                                           cócócó cócócó Cóóóitado do cóóóelho Perdeu o rabo pra raposa do galo virou esposa e em vez de pum, minha nossa! agora ele só vai fazer cócó                                                                          cócócó cócócó

VATAPÁ

Corre um boato cá do lado de cá que o lado de lá não é igual ao de cá e que o povo de lá é o povo de lá e que o povo de cá é o povo de cá e se se misturar                            eu sei lá o que vai dar e se se misturar                            vai virar vatapá

SER POETA SEM SER

Ah, esta luta esta labuta Cá estou num avesso de digestão a gerir palavras em vão! Ah, a crueldade do poema! A dor de cada verso A dor de saber-se assim Imperfeito assim Assim feio... Por que não calar de vez a voz? Por que insistir assim? Édipo cego sem pai sem mãe sem luz Em busca de ver com mãos e bocas a poesia que me habita e que me falta Está em mim, sombra em mim... Mas não é minha, não de mim Se a toco de leve foge, se a estupro finge-se de morta e eu, enfim Finjo-me assim De poeta sem ser.

A busca

É uma espécie de busca selvagem, cega vou vagando por aí. Nas noites como vaga-lume sem luz como morcego diurno tonto inebriado É uma espécie de avesso. Um não ser eu. Quando sou do outro é como se fosse eu o próprio outro Sugando. Absorvendo. Padecendo Se há um vazio, é só quando o outro me esvazia E o calo de ser vazio me joga nos braços de outros outros E sigo cego essa minha caça sem freio sem fim Sorriu quando eu disse no fim do fim: Não. Não estou numa fase de segundos encontros!