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A TRAVESSIA

Acalantadas a um canto de mim moram minhas lembranças mais minhas. Lembro-me, por exemplo, de quando deitava diante da lua e a esperava viajar pelo espaço devagar. Lembro-me, ainda, do dia em que não virei a esquina de todos os dias - não sei - fui reto. Atravessei a rua, que àquela hora ia deserta como eu. Na outra calçada alguém me vigiava os passos sem que eu soubesse. Caminhava contando passos e criando histórias, por isso me distraía. Tão distraída ia que esbarrei nos olhos de quem me olhava. Eram os olhos que iam me guiar vida a fora - mas eu ainda não sabia. Desculpei-me como se houvesse culpa em sonhar acordada. Ele me olhou por dentro, sorriu e se casou comigo naquele instante. O resto foi a história que inventamos para contar ao mundo.

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MORMAÇO

Não sinto falta de mim  quando me despedaço e vou Sinto que sobra espaço no que me fica quando me despeço e voo e se a palavra sair calada não espanta, apanha o silêncio e escuta vigia meu sono devagar e não me deixe nunca perder seu rastro perder seu signo no mormaço - saciado cio - do nosso olhar: altar do meu sair  sempre pra fora de mim...

A VOZ

Onde está sua voz para ler meus poemas? De nada me valem os poemas se não tenho voz para lê-los. Pobres poemas ófãos - eles desconfiam de seu adeus e já não querem mais rimar. Pobres poemas órfãos! Ontem enquanto me lia para mim - e eu ouvia sua voz a me contar coisas de mim - esqueci que o tempo existe e que os amores nem sempre resistem. Ouvir sua voz é assim: decifra-me enquanto me faz esquecer das coisas, do mundo e de mim. Onde está sua voz me revelando devagar? Onde está sua voz que me morde e me arrepia quando diz meu nome sem falar?  Um eco ao menos, deixe-me um eco quando gritar meu nome antes de dormir.

A DOCE VINGANÇA DO ANJO CONTRA O TEMPO

(a Gabriel Garcia Marques) Muito tenho me inimizado com o tempo nos últimos tempos Muito tenho lhe lastimado as horas que me rouba Muito lhe amaldiçoo toda noite pela noite que se esvai de mim  Que cai pelo vão dos meus dedos vãos que de nada servem pois não podem segurar as areias do tempo na velha ampulheta do tempo escorada pra sempre na muralha das esperanças idas perdidas na ilha dos anteontens... Mas eis-me aqui, agora, diante de ti que não te lembras nem mesmo de ti teus cem anos de solidão tuas putas tristes teu cólera e todo o amor vivido em seu tempo E agora que tua memória vive em outro tempo? E agora, Gabriel, sem tua memória, em que tu pensas? E agora, como posso ler-te agora? Oh, como te invejo hoje mais que nunca! Como invejo o livre de tuas horas livres o sem-tempo de teu sem tempo teu presente sem nenhum passado teu passado sem nenhum futuro e teu futuro sem nenhuma pressa Ah, o esquecimento! Quão doce