Pular para o conteúdo principal

AUSÊNCIA

PORQUE UMA MÃE PODE, ÀS VEZES, SER ÓRFÃ DE UMA FILHA




E agora é escuro o que já foi sonho

é oco o que já foi pleno
e espaço onde o abraço havia...

Agora é abismo o que já foi ponte
é pouco o que já foi tanto
e pranto onde o encanto havia...

Foi um arrancar-me de mim mesma
um avesso do teu parto
um barco sozinho
sem nenhum mar, nenhum cais:
teu quarto é só um quarto
não é mais o teu ninho
teu colo 
aqui - quieto - no meu colo
ainda te aquece
e te guarda o meu carinho

Tua partida
um desmoronamento

Teus passos na estrada
te esperando passar
não passam
não passarão
Teus pés já não são pés
que pousam qualquer chão

E agora ando só cá por dentro de mim
imensa como o pó
que se foi amontoando
na lembrança 
que não chegou a ser lembrada:
o porta-retratos sem retratos
me diz a todo instante
que teus vinte e poucos anos
nunca me serão suficientes...

Estou parada sobre a ponte
parada sobre o mar
disparado sob mim
ondas vão
ondas voltam
e eu espero em vão a tua volta
como a viúva velha
que espera o pescador:
volta o mar inteiro
e, no fim do dia, 
ela ainda espera...
eu ainda espero
que na vida breve
que saiu de tua vida
eu te veja regressar
eu te sinta renascer





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MORMAÇO

Não sinto falta de mim  quando me despedaço e vou Sinto que sobra espaço no que me fica quando me despeço e voo e se a palavra sair calada não espanta, apanha o silêncio e escuta vigia meu sono devagar e não me deixe nunca perder seu rastro perder seu signo no mormaço - saciado cio - do nosso olhar: altar do meu sair  sempre pra fora de mim...

A VOZ

Onde está sua voz para ler meus poemas? De nada me valem os poemas se não tenho voz para lê-los. Pobres poemas ófãos - eles desconfiam de seu adeus e já não querem mais rimar. Pobres poemas órfãos! Ontem enquanto me lia para mim - e eu ouvia sua voz a me contar coisas de mim - esqueci que o tempo existe e que os amores nem sempre resistem. Ouvir sua voz é assim: decifra-me enquanto me faz esquecer das coisas, do mundo e de mim. Onde está sua voz me revelando devagar? Onde está sua voz que me morde e me arrepia quando diz meu nome sem falar?  Um eco ao menos, deixe-me um eco quando gritar meu nome antes de dormir.

A DOCE VINGANÇA DO ANJO CONTRA O TEMPO

(a Gabriel Garcia Marques) Muito tenho me inimizado com o tempo nos últimos tempos Muito tenho lhe lastimado as horas que me rouba Muito lhe amaldiçoo toda noite pela noite que se esvai de mim  Que cai pelo vão dos meus dedos vãos que de nada servem pois não podem segurar as areias do tempo na velha ampulheta do tempo escorada pra sempre na muralha das esperanças idas perdidas na ilha dos anteontens... Mas eis-me aqui, agora, diante de ti que não te lembras nem mesmo de ti teus cem anos de solidão tuas putas tristes teu cólera e todo o amor vivido em seu tempo E agora que tua memória vive em outro tempo? E agora, Gabriel, sem tua memória, em que tu pensas? E agora, como posso ler-te agora? Oh, como te invejo hoje mais que nunca! Como invejo o livre de tuas horas livres o sem-tempo de teu sem tempo teu presente sem nenhum passado teu passado sem nenhum futuro e teu futuro sem nenhuma pressa Ah, o esquecimento! Quão doce