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O olhar de um velho





Quando o olhar de um velho parece perdido

- mais perdido está quem nele nada lê –

O olhar fixo no vazio,

Parado. Assim. Sem mirar.

Não. Não tem nada de perdido –

Só não é no agora que ele se vê



O olhar perdido é só o espanto do jovem

Olhando o velho a se olhar quando ainda jovem



O olhar perdido do velho

É o mesmo olhar do jovem na escada

Que esbarra – descuidado - no ombro do velho

O mesmo velho que, devagar, a passos lentos,

Traz – por cuidado - os olhos presos nos degraus



E agora, do alto dos seus tantos degraus –

O velho pode, enfim, olhar pra baixo

E desgrudar-se...

E perder-se em seu olhar

Olhando o jovem apressado e triste

Na escada de sua vida pulando degraus

Sem nem sequer imaginar – meu deus!

A enorme falta que lhe farão – um dia –

Esses mesmos degraus

Que seus olhos, agora, desavisados,

Teimam, cegos, em amputar.

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