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AMANTES












De repente vi a antiga moradora daqueles olhos a me olhar.
Não era a de hoje - assim distante, assim ausente. Era a velha moradora.
Aquela de entorpecer estrelas à noite e de anoitecer manhãs.
Mas foi tão de repente.
E a antiga moradora cerrou os olhos para adormecer dentro deles e esconder-se de si e de mim.
Antigas paixões - descobri - resistem. Residem em algum canto de nós. E quando o sono nos vacila ou o vinho das horas tontas nos tonteia ou o desejo de estilhaçar nos ameaça- um olho teima em brilhar e se o outro percebe é como se um resto de orgasmo terminasse de gozar anos depois.
Lembrar? Esquecer? O que nos podem provocar dois olhos a piscar?

Agora é só fechar de novo os olhos - dizer que tudo está bem - abraçar os que hoje nos abraçam e seguir vida afora como se nem fôssemos amantes.







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