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VÃO





Estou sentado diante do tempo - do que dele me resta -
mas não olho a cara do tempo

Preciso falar do tempo sem, no entanto, dizer seu nome
para que ele não me ouça e não me amaldiçoe
com sua carne de comer traumas por entre frestas
de varizes cruzadas em velhas salas de visitas velhas...

Não há tempo para treino, diário de classe
reuniões de condomínio
Os moradores do tempo
anseiam por um rasgo, uma nesga
algo que lhes sirva de fuga ou de vaga
para a hora outra, a derradeira hora
a fauna das horas cãs
primitivas e digitais
como peles de animais
correndo por florestas extintas
em continentes que nem há
pois fora o tempo seu amante e carrasco

/ O mesmo que agora me olha /
e me rouba um pouco mais de mim
diafragma não diafragma sim

E a opção seria esvaziar-me
de qualquer ar
e, cheio do meu vazio,
deixar-me esmorrecer devagar
como flor que desnasce
como morte que desmorre.






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A VOZ

Onde está sua voz para ler meus poemas? De nada me valem os poemas se não tenho voz para lê-los. Pobres poemas ófãos - eles desconfiam de seu adeus e já não querem mais rimar. Pobres poemas órfãos! Ontem enquanto me lia para mim - e eu ouvia sua voz a me contar coisas de mim - esqueci que o tempo existe e que os amores nem sempre resistem. Ouvir sua voz é assim: decifra-me enquanto me faz esquecer das coisas, do mundo e de mim. Onde está sua voz me revelando devagar? Onde está sua voz que me morde e me arrepia quando diz meu nome sem falar?  Um eco ao menos, deixe-me um eco quando gritar meu nome antes de dormir.